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  • Foto do escritorLidice Meyer

A Igreja e as relações raciais no Brasil


As igrejas protestantes históricas que chegaram ao Brasil no século XIX e as que aqui já se encontravam entre os imigrantes trouxeram um evangelho elitista de compreensão difícil para as classes populares e tiveram pouco ou nenhum envolvimento com a questão da escravatura. Alguns pastores presbiterianos como Simonton e Eduardo Carlos Pereira se posicionaram contrariamente à escravidão, enquanto que entre os metodistas formaram-se até colônias de escravagistas como em Americana, SP.

“Confesso que grande é minha vergonha, e grande a confusão da Egreja de Christo no Brazil, ao ver incrédulos, pelo simples amor a humanidade, abrirem mão de seus escravos; entretanto os que professam fé no Redenptor dos captivos não rompem as ligaduras da impiedade nem deixam ir livres os oprimidos!” (Eduardo Carlos Pereira, A Religião Christã em suas relações com a escravidão, 1886)

Devido aos entraves da pregação elitista das igrejas tradicionais, foi no pentecostalismo que o negro brasileiro encontrou seu espaço e construiu um legado inquestionável.

Há um caso pouco conhecido, mas que ilustra bem a força do negro no pentecostalismo brasileiro. Em 1841, quase meio-século antes da abolição da escravatura, surgiu em Recife, PE, um movimento evangélico liderado por um negro alforriado de nome Agostinho José Pereira. Era a primeira manifestação pentecostal no Brasil e vinda de um brasileiro negro. Agostinho recebeu nos jornais da época a alcunha de Lutero Negro pois pregava contra a igreja católica e defendia a mediação e inspiração do Espírito Santo. Além da Bíblia, seus seguidores utilizavam o texto de um poema intitulado o “ABC do Divino Mestre” que continha versos abolicionistas e identificava Jesus como “acaboclado” contapondo-o ao Jesus branco dos católicos. Agostinho formou uma igreja em Recife com mais de 300 membros negros, entre escravos e livres. Foi preso diversas vezes o que fez com que a igreja fosse perdendo força até desaparecer. Este caso isolado já apontava para a força pentecostal que iria aflorar entre os negros do Brasil.

Anos depois, em 1911, chegaram ao Pará os missionários Vingren e Berg que implantaram a Igreja Evangélica Assembléia de Deus no Brasil, hoje conhecida como a igreja mais negra do país. Porém, em seu início a Assembléia de Deus também passou por muitas questões raciais. As primeiras Assembléias eram igrejas brancas e segregacionistas. Oficialmente a divisão entre igrejas negras e brancas, influenciada pelas igrejas norte-americanas durou até 1994 quando, em um pedido público de perdão e uma cerimônia de lava pés, houve a reconciliação das igrejas brancas e negras no dia que ficou conhecido como “Milagre de Memphis”. Apesar da segregação interna, as Assembléias de Deus cresceram nas regiões mais empobrecidas onde os negros recém-alforriados representavam a grande maioria dos moradores. Nas favelas e nas periferias das grandes cidades apareceram multidões de “pontos-de-pregação”. Muitos cresceram e se tornaram igrejas onde a presença negra era, quando não integral, a sua grande maioria. Desenvolveu-se um pentecostalismo muito musical com formação de bandas e corais além de uma pregação baseada no Espírito em uma linguagem acessível e que falava diretamente ao coração do brasileiro pobre, desempregado, carente de recursos físicos e sociais, mas rico em espiritualidade e emoção.

Mais de um século se passou da chegada de Vingren e Berg. As igrejas tradicionais foram adaptando seu discurso às realidades sócio-culturais de país e hoje são frequentadas por todas as classes e etnias. Independentemente das denominações, a igreja protestante é uma igreja inclusiva no que diz respeito à cor da pele. Mas o nosso país como um todo ainda sofre com as consequências de uma Lei Áurea implantada sem o devido cuidado. E a cura para o grande mal do preconceito e da discriminação racial pode vir da Igreja de Cristo. Encarando de frente o mal do racismo, trazendo o assunto para discussão nas pregações, boletins dominicais, revistas doutrinárias e estudos bíblicos, a liderança das igrejas estará implantando a mudança na sociedade brasileira.

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