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Uma manjedoura, um boi e um burrico

  • Foto do escritor: Lidice Meyer
    Lidice Meyer
  • há 2 dias
  • 3 min de leitura
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Uma manjedoura com feno, um boi e um burrico. Assim foi o presépio idealizado e montado por Francisco de Assis no Natal de 1223 na cidade de Grécio, Itália. Nele não estavam representados nem Maria, nem José, nem os pastores e nem os reis magos.  Apenas três elementos carregados de um profundo simbolismo.

Francisco, que já era conhecido pelos seus sermões teatrais via no presépio muito mais que uma encenação do nascimento de Jesus. O presépio era uma estratégia evangelística e conscientizadora. Por isso montou o altar onde celebrou a Missa de Natal junto à manjedoura, ladeado por um boi e um burrico.

A centralidade de sua mensagem não estava numa criança deitada em uma manjedoura, mas na encarnação de Jesus que deu início ao plano de Deus para a redenção da humanidade. O Natal para Francisco assinalava a certeza da redenção: o começo da Páscoa! Por isso ao celebrar a ceia do Senhor junto à manjedoura mostrou como a encarnação de Jesus e a Páscoa do Senhor estão interligadas: ambas apontam para a realidade de um Deus que se humilha fazendo-se homem para resgatar a humanidade caída. A manjedoura está vazia porque Jesus está representado no pão da ceia. Ele não está na manjedoura, mas está no meio de nós, em nós.

No lugar de Maria, José, dos pastores e magos, estava toda a humanidade. Todos os participantes da Missa eram convidados a tomar parte da encenação deste mistério: a vinda do Filho de Deus para viver junto a nós. O mundo inteiro e todas as criaturas, até mesmo os corpos celestes representados pela estrela de Belém participaram da festa de Natal. A presença do boi e do burrico mostra que a vinda de Jesus deu início à restauração não só da humanidade, mas de toda a criação.  Todos os seres celebram e se regozijam com o nascimento do Filho de Deus.

Mas por que a escolha do boi e do burrico? A presença destes animais no nascimento de Jesus remonta a um texto apócrifo, o pseudoevangelho de Mateus, que associa o acontecimento à profecia: “O boi conhece o seu possuidor, e o jumento, o dono de sua manjedoura.” (Is 1.3). Os primeiros pais da Igreja interpretaram este texto como o boi representando os judeus e o jumento representando os pagãos. Diz Agostinho no Sermão 189: “...no boi, representados os judeus, e no burro, os pagãos; sabendo que ambos chegaram a uma única manjedoura e encontraram a comida do Verbo”.  Como Francisco de Assis viveu um período marcado por discriminação religiosa, social e de gênero, esta associação é muito significativa. Assim como o feno na manjedoura alimentava os animais, todos os humanos, independentemente de sua origem étnica, religiosa ou social podem alimentar-se do Pão da Vida que desceu dos céus em uma manjedoura em Belém (Jo 6.51).

Francisco de Assis não fez uma recriação do Natal. Ele fez um presépio eucarístico que nos convida a vivenciar o sagrado mistério da encarnação de Jesus que ao tornar-se um de nós ensinou-nos o caminho para a reconciliação com Deus, com os outros humanos e com toda a criação. O Natal é para todos!

Lidice Meyer   

Doutora em Antropologia, Professora na Universidade Lusófona, Portugal    autora do livro “Cristianismo no Feminino” pela editora Mundo Cristão.


Fonte Bibliográfica: De Belém a Greccio – o presépio de São Francisco de Assis. Editora Paulinas, Portugal.

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