Está chegando o Natal. Desde quando Francisco de Assis criou o primeiro presépio no século XIII, que a imagem que temos deste evento é a mesma. Uma manjedoura com um bebê, ladeado por sua mãe, a única representante feminina na cena, cercada de elementos masculinos: José, magos do Oriente, pastores e até mesmo anjos com fisionomias masculinas. Eu amo presépios. Eles têm o poder de nos enlevar e transportar magicamente àquela noite em que o Filho de Deus nasceu do ventre de Maria. Mas esta imagem tão bela acaba por ocultar a presença de outras personagens femininas que tiveram grande importância antes, durante e logo após o nascimento de Jesus. O evangelho de Lucas, ao contrário, destaca e enfatiza o papel destas mulheres nos dois primeiros capítulos de seu texto. Lucas inicia com a história de um casal: Zacarias e Isabel. Mas é Isabel que tem destaque apresentada como sendo da família sacerdotal de Arão. Isabel é apresentada como uma mulher estéril, mas justa e irrepreensível (Lc 15-7). Sua justiça é enfatizada para demonstrar que sua esterilidade não é um castigo por um pecado, mas sim para que se manifestasse um milagre divino em sua vida, numa clara associação com Sara (Gn 18.11-14) e com a mulher de Manoá (Jz 13.2-3). Isto fica ainda mais claro quando observamos a declaração do anjo a Maria: “Porque para Deus não haverá impossíveis em todas as suas promessas” (Lc 1.37) em comparação com a pergunta a Sara: “Acaso para o Senhor há coisa demasiadamente difícil?” (Gn 18.14). Ao relato sobre a gravidez de Isabel (Lc 1.24-25) segue-se a visita do anjo a Maria, sua parente, uma adolescente recentemente prometida em casamento ao jovem José. Apesar da pouca idade, Maria questiona a si e ao anjo antes de afirmar: “Aqui está a serva do Senhor; que se cumpra em mim conforme a sua palavra”. (Lc 1.38). Maria, uma menina em idade, mas uma grande mulher nas decisões e na firmeza de propósitos que se transforma na primeira discípula do Mestre Jesus, sempre guardando as palavras e meditando-as no coração (Lc.2.19 e 51). Já grávida, Maria decide buscar refúgio seguro junto à sua parente Isabel, alertada pelo anjo de que esta também estava passando uma situação semelhante: uma gravidez impossível (Lc 1.36). Em um encontro emocionante, o Espírito de Deus se manifesta no diálogo entre as duas mulheres, mediado pelos bebês que ambas esperam (Lc. 1. 39-45). E Isabel, “possuída do Espírito Santo” declara pela primeira vez que aquele bebê sendo gerado no ventre de Maria não era uma simples criança, mas era o Senhor! Lucas então registra um belíssimo cântico de Maria (Lc 1.46-55) que revela seu conhecimento das Escrituras e seu reconhecimento da gravidez sobrenatural que está experimentando pois parafraseia o cântico de Ana, que por sua vez também experimentava uma gravidez impossível (I Sm 2.1-10). Após alguns meses junto a Isabel, Maria, mais fortalecida em sua fé e determinação casa-se com José (Lc 1.56; 2.5). Será um pouco mais de uma semana após o nascimento de Jesus, que uma terceira mulher entrará na história com uma preciosa declaração. Lucas apresenta a profetisa Ana, uma viúva idosa da tribo de Aser, uma das tribos retornadas da diáspora do Reino do Norte (Lc 2.36-38). Será esta mulher a primeira a divulgar que aquele menino não era uma simples criança, mas era o Messias esperado há muito, que reunificaria novamente os reinos de Judá e Israel em um só povo, completando a profecia de Simeão. Jesus é a “Luz para a revelação aos gentios e para a glória do povo de Israel” (Lc 2.32)
Uma criança, três mulheres e três revelações. Naquele Natal, no menino Jesus já se revelavam o Mestre, o Senhor e o Messias!
Lidice Meyer Pinto Ribeiro Doutora em Antropologia, Professora no Mestrado em Ciência das Religiões na Universidade Lusófona, Portugal
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