O CONCÍLIO DE NICÉIA E AS MULHERES
- Lidice Meyer

- 6 de dez.
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No ano de 2025 completaram-se 1700 anos após o Concílio de Nicéia, o primeiro concílio ecumênico organizado e presidido pelo imperador Constantino I. Muito se dedicou neste ano ao estudo dos cânones determinados nesta histórica reunião, mas pouco se referiu às relações existentes entre este concílio e o silenciamento progressivo das mulheres na Igreja. É verdade que este silenciamento já se iniciou na segunda metade do século 1, quando após a morte do apostolo Paulo a igreja passou por uma fase de rejudaização que voltou a introduzir diferenças hierárquicas entre os cristãos, principalmente de gênero e classe social. Com a falta de um centro doutrinário, formaram-se diversos cristianismos, com práticas e doutrinas que diferiam ou se aproximavam em certos pontos. A expansão do Evangelho em regiões da diáspora e em regiões fortemente helenizadas favoreceu o surgimento de igrejas que preconizavam uma posição de igualdade entre homens e mulheres sob o carisma do Espírito Santo pautadas em Gálatas 3.28. Concomitantemente, em outras localidades desenvolveram-se as igrejas que defendiam a autoridade hierárquica estabelecida por rituais de ordenação, privilegiando os ministérios eucarísticos como masculinos. Esta era realidade da Igreja do século 2 ao século 4 quando ocorreu o Concílio de Nicéia: um cristianismo fragmentado em diversas ortodoxias contemporâneas.
A tentativa de unificação do cristianismo também já se iniciou no século 2 com Inácio de Antioquia que designou como Igreja Católica (universal) o cristianismo romano, tido como ortodoxo, ou seja, em sua visão, o que estaria mais fiel ao cristianismo primitivo. Fora ficavam todos os outros cristianismos a partir de então considerados como heresias. Entre estes cristianismos “hereges” estavam os movimentos igualitaristas como a “Nova Profecia” (posteriormente chamado pelos seus opositores de Montanismo) e os “Cátaros”. Também estavam os cristianismos que possuíam uma mulher em sua liderança como os discípulos em Roma das Mestras Marcelina, chamados marcelinianos e de Filomena, chamados posteriormente pelos seus opositores de apelinianos.
No final do século 3 começou um movimento espiritual que se acirrou no século seguinte: a prática do ascetismo e a vida nos desertos, solitária ou em comunidades. Muitas destas comunidades eram mistas, com homens e mulheres coabitando de forma celibatária para estudo das Escrituras, oração e prática da caridade.
Como a principal motivação do Concílio de Nicéia era o combate às heresias e a unificação da Igreja, os movimentos igualitaristas estavam na pauta. Tanto que, dos 20 cânones estabelecidos no concílio, 3 se voltavam para a questão feminina. O cânone 3 proíbiu aos clérigos a vida com mulheres que não fossem parentes biológicas. É o primeiro passo para a criação de casas estritamente femininas que serão posteriormente colocadas sob a supervisão de um bispo, homem. O cânone 8 trata dos líderes cátaros convertidos ao catolicismo. Como os cátaros consideravam homens e mulheres igualmente capazes de liderar uma igreja sob o carisma do Espírito Santo, o cânone é bem claro ao dizer que apenas os homens (bispos e presbíteros) manteriam seus cargos de liderança após sua adesão ao catolicismo. Por fim, o cânone 19 tratou da adesão dos seguidores de Paulo de Samóstrata, dentre os quais, diaconisas. O cânone revela que apesar da igreja católica possuir em seu clero diaconisas ordenadas por imposição de mãos, as diaconisas provenientes da “heresia” de Paulo de Samóstrata não manteriam o seu cargo por não terem recebido a imposição de mãos.
O Concílio de Laodicéia (363-364) deu continuidade ao silenciamento das mulheres na Igreja. No seu cânone 8 os líderes do movimento igualitarista da Nova Profecia que aderissem à Igreja Católica perderiam seu status de líder. E o Cânone 11 extingue o cargo de presbíteras na Igreja: “Presbíteras, como são chamadas, ou presidentes mulheres, não devem ser nomeadas na Igreja”. Cabe dizer que o termo presidente se referia à função de presidir o serviço da eucaristia.
Muitos foram os concílios subsequentes que paulatinamente foram cerceando a atuação das mulheres, limitando-as aos círculos internos dos conventos e das casas. Embora a função ordenada de diaconisas tenha existido até o século 13, recentemente o Papa Leão XIV voltou a afastar a possibilidade de as mulheres retomarem estas funções. O protestantismo abriu espaço para a atuação das mulheres em muitas frentes, mas embora o carisma do Espírito Santo continue a atuar igualitariamente, seus espaços na igreja ainda não o são.
Lidice Meyer
Doutora em Antropologia, Professora no Mestrado em Ciência das Religiões na Universidade Lusófona, autora do livro “Cristianismo no Feminino” (Ed. Mundo Cristão).




Sim, Professora. Plenamente de acordo, mas convém não esquecer que o sistema patriarcal e a sua repugnante misoginia já partem do antigo testamento.
Mariana Sousa
Muito Bom 👍 Esclarecedor
Obrigada Dra Lídice 🌹