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  • Foto do escritorLidice Meyer

A Semiramis que a TV Record popularizou


Quem está acompanhando a novela Gênesis da TV Record tem estranhado a inserção de personagens não-bíblicos na trama. Dentre estes personagens destacou-se nos últimos dias Semíramis, que no enredo representa a mãe do personagem bíblico Ninrode. Não há na Bíblia nenhuma menção à mãe de Ninrode e muito menos à sua participação na construção da Torre de Babel. Apesar disso, esta personagem tem papel de destaque na novela o que tem suscitado muitos comentários e dúvidas. A equipe de roteiristas afirma em diversas postagens a veracidade histórica da personagem e que sua relação com Ninrode e a Torre são comprovadas em documentos. Mas será verdade?

Semíramis seria o nome grego de uma rainha lendária. Sua mitologia se refere à rainha Shammuramat que reinou de 811 a 806 a.C. na Assíria, após a morte de seu esposo Shamshi-Adad V, enquanto seu filho Adad-Nirari III não atingia a maioridade. Um obelisco encontrado na cidade de Assur traz a seguinte inscrição: “Estela de Shammuramat, rainha de Shamshi-Adad, rei do universo, rei da Assíria, mãe de Adad Nirari, rei do universo, rei da Assíria, nora de Shalmaneser, rei dos quatro cantos do mundo." Uma inscrição na cidade de Calah, no sítio arqueológico de Ninrude (Iraque) também relata seu período como governante da Assíria. Sua história é mencionada pelo historiador Heródoto (séc V a.C.) e romanceada por Diodorus Siculus (séc I a.C.).

Se Shammuramat é Semiramis ela reinou no séc. IX a.C., foi contemporânea do profeta Eliseu e não de Ninrode e da Torre de Babel. Seu sogro, Salmanaser é citado na Bíblia em 2 Rs 17, como responsável pelo cerco a Samaria e Ninrude foi o nome escolhido aleatoriamente por arqueólogos para um local de escavações no Iraque.

Então, de onde veio o enredo da Record? Sua origem parece estar em um livro publicado em 1853 pelo pastor Alexander Hislop: “As duas babilônias – O culto ao Papa como sendo o culto a Ninrode e sua esposa”. O livro em inglês é disponibilizado gratuitamente no site da Igreja Adventista do Sétimo Dia (centrowhite.org.br). Em seu livro Hislop associa Semíramis à Prostituta da Babilônia (Ap 17), a descreve como uma rainha loira e de olhos azuis, mãe de Ninrode, um homem negro, feio e deformado, construtor da Torre de Babel, e que de sua relação incestuosa teria nascido Tammuz (divindade suméria). Semíramis teria criado o politeísmo ao incentivar a adoração à deusa, que Hislop associou a Afrodite, Artemis, Astarte, Aurora, Ceres, Diana, Easter, Iris, Ishtar, Juno, Proserpina, Vênus e Vesta. A Igreja Católica seria um culto de mistério babilônico e pagão em continuação à adoração de Semíramis em Maria e a Ninrode em Jesus, sendo o Papa o responsável por uma conspiração secreta para manter a religião pagã da Babilônia. Semíramis seria ainda a inventora do celibato para os padres e do canto feminino.

Apesar de aceito em algumas igrejas, nenhum acadêmico considera esse livro como científico. Lester Grabbe, historiador do Antigo Judaísmo, afirmou que relacionar Ninrode a Adad-Nirari é um erro histórico e criticou a associação de Semíramis à “mãe das prostitutas” pois ela não é tratada desta forma em nenhum dos textos em que aparece. O livro de Hislop seria uma mistura de mitos de diferentes culturas, pinçados fora do contexto e embaralhados, a fim de ridicularizar a Igreja Católica. Nada de errado em usá-lo para uma novela ficcional com elementos históricos misturados com personagens fictícios. Só não vamos confundir novela com realidade!


Lidice Meyer Pinto Ribeiro Doutora em Antropologia, Professora Convidada na Universidade Lusófona, Portugal

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