Até onde você iria para viver um grande amor? As histórias de Romeu e Julieta, e, Pedro e Inês de Castro, por gerações, são relembradas como uma simbologia do amor trágico que enfrenta as adversidades. O Antigo Testamento contém também histórias de mulheres que enfrentaram dilemas e dificuldades sociais para viverem suas histórias de amor. Desde Sara e Rebeca que atenderam aos caprichos de seus maridos submetendo-se a outros homens (Gn 12.11-16, 20.2, 26.7), Lia e Raquel, duas irmãs forçadas a disputar a atenção e o amor de um único marido, Jacó (Gn 30), até Ester, que viveu o dilema de estar dividida entre o amor ao esposo e a seu povo (Et 2.17, 4.12, 5.3, 8.7). Já no Novo Testamento, em uma nova sociedade nascida no cristianismo, vemos casais que juntos lutam pelo evangelho, como Maria e Zebedeu, Priscila e Áquila, Júlia e Filólogo, e, Júnia e Andrônico. O amor de Deus, selando o amor de um casal e direcionando suas vidas. Os poucos indícios que temos na Bíblia sobre estes casais mostram que suas vidas não foram isentas de críticas sociais. Júnia e Andrônico chegaram a ser presos junto com Paulo (Rm 16.7).
Ser um casal cristão não impede de sofrer adversidades. Mas uma união centrada em Deus pode dar a segurança e a força para enfrentá-las. Heloísa de Argenteuil era uma jovem órfã criada por um tio na Paris do século XII. Apesar das mulheres de seu tempo terem pouco acesso aos estudos, seu tio, percebendo seu interesse em aprender, contratou um professor particular: Pedro Abelardo. Heloísa tinha então 16 anos e Pedro, 38. O que começou como uma admiração intelectual mútua foi aos poucos transformando-se em amor. Após dois anos, Heloísa e Pedro casaram-se secretamente e Heloísa engravidou. Ao descobrir o fato, seu tio penalizou-os castrando Abelardo, que emasculado, tornou-se monge. Seu filho foi dado para ser criado por outra família e Heloísa recusou-se a casar com outro homem preferindo fazer-se monja no mosteiro beneditino de Argenteuil onde se tornou abadessa. Até o final de suas vidas Heloísa e Abelardo mantiveram uma troca de correspondência apaixonada e recheada de questões teológicas. De amante, Abelardo tornou-se conselheiro espiritual. Dedicou sua maior obra em teologia e filosofia à Heloísa, que por sua vez também deixou um legado teológico (Problemata Heloissae) com 42 questões onde enfatiza a ética bíblica e a vida cristã. Separados fisicamente, mantiveram-se unidos na paixão comum pelo estudo das coisas de Deus. Ao falecer, Heloísa pediu para ser enterrada junto com Abelardo. Seu túmulo em Père-la-chaise até hoje é local de peregrinação para casais.
A noiva do Cântico dos Cânticos assim como Heloísa e Abelardo sofreu perseguição familiar (Ct.1.6) e social (Ct 5.7), mas seu amor foi “forte como a morte”, “implacável como o abismo” e como “chamas de fogo” de “labaredas divinas” (Ct 8.6). Quando a união de um casal se faz sob a bênção divina, “nem as águas caudalosas conseguirão apagar o fogo do amor, nem as torrentes o podem submergir” (Ct 8.7).
Lidice Meyer Pinto Ribeiro Doutora em Antropologia, Professora na Universidade Lusófona, em Portugal
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