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Os males ocultos das traduções bíblicas

Foto do escritor: Lidice MeyerLidice Meyer

Uma tradução que retira ou oculta o protagonismo feminino do texto bíblico é semelhante a depredação de uma obra de arte.

Na carta de Paulo aos Filipenses, capítulo 4, versículo 2, há o destaque do nome de duas mulheres, Evódia e Sintique, que são encorajadas ou exortadas (no grego, parakalō) pelo apóstolo a terem no grego, “to auto phronein em kyriõ”, que traduzido diretamente seria “o mesmo pensamento no Senhor”. O versículo seguinte ressalta estas mulheres em primeiro lugar em uma lista de colaboradores de Paulo na tarefa da evangelização, como tendo sido “estas mulheres quem no Evangelho trabalharam junto comigo” (em grego: “autais haitines en tō euangeliō synēthlēsan moi”) claramente colocando-as no mesmo nível de liderança que Clemente e os demais cooperadores citados após as duas. O termo utilizado por Paulo para estas mulheres, Clemente e outros (synergós), traduzido por colaboradores, é o mesmo que ele emprega aos missionários itinerantes que o acompanharam e a líderes de igrejas estabelecidas, tanto homens como mulheres: Priscila e Aquila (Rm 16.3); Urbano e Estáquis (Rm 16.9); Timóteo (Rm 16.21, 1 Ts 3.2); Tito (2 Co 8.23); Epafrodito (Fp 2.25); Filemon (Fl 1); Marcos , Aristarco , Demas e Lucas (Fl 1.24). O fato de Paulo ter mencionado estas duas mulheres pelo nome mostra que ambas possuíam uma grande importância para a igreja em Filipos, sendo, portanto, parte de sua liderança, respeitadas nesta igreja, mas também elogiadas e consideradas colaboradoras do apóstolo. A carta é direcionada aos líderes da igreja e a menção do nome destas mulheres indica que eram parte desta liderança.

Embora alguns leiam este texto com uma percepção negativa sobre a relação entre Evódia e Síntique, como que a creditar-lhes uma “briguinha de comadres”, Paulo de forma nenhuma dá esta conotação. Ele utiliza a palavra parakalō que também ocorre em Romanos 12.1, com o sentido de um encorajamento a continuidade de uma ação. Não há nenhuma recriminação, mas sim um reforço a permanência de uma atitude de Evódia e Síntique: manterem o mesmo pensamento no Senhor.

 Apesar disto, observe as traduções das versões: Bíblia na Linguagem de Hoje (1988), Nova Versão Internacional (2001) e Nova Versão Transformadora (2016): “Irmãs Evódia e Sintique, peço, por favor, que façam as pazes como irmãs no Senhor” (BLH); “O que rogo a Evódia e a Síntique é que vivam em harmonia no Senhor” (NVI); “Agora, suplico a Evódia e a Síntique: tendo em vista que estão no Senhor, resolvam seu desentendimento” (NVT). Curiosamente, mesmo após a atualização realizada em 2000, a Nova Tradução na Linguagem de Hoje mantém esta noção errada de discórdia: “Evódia e Síntique, peço, por favor, que procurem viver bem uma com a outra, como irmãs na fé.” (NTLH).

Ao criar uma falsa ideia de "briga de comadres" a tradução perpetua a falsa noção de que as mulheres não são capazes de ter uma liderança ativa na igreja. Consciente ou não, alguns tradutores acabam por aleijar o texto bíblico, afastando-o de seu sentido original e causando um imenso mal à igreja dos países de língua portuguesa.

Lidice Meyer Pinto Ribeiro



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